A abolição legal da escravidão no império português constituiu um processo atribulado. O período que se lhe seguiu, também acidentado, foi marcado pela persistência de várias modalidades de trabalho não-livre.
Logo após a abolição, no último quartel de Oitocentos (e mesmo antes), os debates sobre como garantir o trabalho dos “braços” das populações africanas emergiram com cadência assinalável. A ideia de que aos sujeitos negros lhes faltava uma “racionalidade” económica e social dita “moderna” prevalecia. Então, e acompanhando movimentos similares de várias congéneres europeias, as preocupações sobre a ocupação e exploração “efetivas” de África produziram novas normas e práticas sociais que, ilegalizando a escravatura enquanto meio de troca (os sujeitos africanos deixavam de poder ser constituídos propriedade), legalizavam práticas similares de trabalho coercivo. Este foi um processo que assentou em inúmeras discussões, em várias formulações legislativas e normativas, e numa retórica que legitimava a presença portuguesa em África enquanto “missão civilizadora” das populações ditas “atrasadas”. A elevação destas não seria operada pela educação ou pela religião, mas, sobretudo, pelo trabalho, obrigatório se assim fosse necessário. Tratou-se de uma dinâmica comum a todos os impérios coloniais europeus. Contudo, a história do império português, neste capítulo, pautou-se por um assinalável atraso em relação à abolição de todas as formas do trabalho forçado. Só em 1962 foram legalmente abolidas todas as formas de trabalho compelido, depois de torrentes de críticas, na metrópole, nas colónias e, muito frequentemente, provenientes do exterior. Compreender essa história é fundamental para se perceber o alcance, e os limites, da “abolição” que esta exposição evoca.