O processo da abolição da escravatura no império português foi um processo conturbado, historicamente contingente, muitas das vezes ambivalente e até inconsequente.
Como se pode ouvir, os debates sobre a abolição repetiram-se, com contendentes de ambos os lados. Por exemplo, palavras solenes e grandiloquentes como as do deputado Martens Ferrão, que aqui ouvimos, e que inspiraram o título desta exposição, foram proferidas numa intervenção em que, ainda que manifestando a concordância com a abolição total da escravidão, em princípio, apoiava a intervenção parlamentar de Moraes de Carvalho. Este argumentava que a lei do “ventre livre” levaria à negligência por parte dos donos dos escravos e escravas em relação aos filhos e filhas destes (visto que nasciam “livres”) aumentando inclusive as suas taxas de mortalidade (incluindo a pré-natal). Por isso, defendia que os filhos e filhas de escravos, em teoria “libertos”, nascidos após a publicação da lei, teriam de trabalhar vinte anos para os donos dos seus pais, propósito que logrou atingir. O próprio efeito da lei de 1869 deve ser ponderado cautelosamente. Como ouvimos aqui, a partir de relatórios da polícia de Luanda, em muitos casos, a transformação legal de escravos em libertos traduzia‑se na continuidade das práticas sociais.